terça-feira, 1 de abril de 2008

PALAVRA DE DIPLOMATA

Fonte: Jornal o Globo 31/03/08

Bandoleiros
M. PIO CORREA

Sempre condenei o uso pelos mais jovens e mais irreverentes diplomatas brasileiros da expressão "cucarachas" referindo-se a colegas oriundos de certos países ibero-americanos. A expressão, no entanto, vem-me irresistivelmente aos lábios ao ouvir e ver, pela televisão, o presidente Hugo Chávez louvando os cangaceiros das Farc, uma legião de bandidos que têm seu valhacouto na selva amazônica no Sul da Colômbia, onde prosperam graças ao narcotráfico. A ênfase, a gesticulação e o sotaque caribenho, tudo isso com um toque ligeiro, mas indisfarçável de cafajestismo, o total fazendo de Sua Excelência o próprio modelo e padrão do "cucaracha".
Simon Bolívar foi um grande homem. Cometeu alguns pecadilhos em sua vida, como nós todos, mas não mereceu a humilhação póstuma que lhe inflige o presidente Hugo Chávez ao declará-lo o inspirador dos "projetos bolivarianos" de uma súcia de bandoleiros, assassinos, seqüestradores e narcotraficantes. O objetivo do presidente Chávez é claro, e já foi, aliás, explicitado por ele mesmo, em vários discursos: é formar na América Latina um bloco de países dissociados dos EUA. O primeiro passo seria a celebração por cada um desses países de um Tratado de Livre Comércio com a União Européia antes que com os Estados Unidos da América. Interrogado a esse respeito, o secretário de Comércio dos EUA, o economista de origem latino-americana Carlos Gutierrez, respondeu que cada país é livre para escolher a política econômica que mais lhe convenha; cabe lembrar, porém, que os Estados Unidos da América são a maior economia do mundo, e continuarão a sê-lo por muitos anos. Agora, o presidente Chávez resolveu conclamar os países latino-americanos a amalgamarem seus Exércitos respectivos em um único Exército, a ser chamado o "Exército Bolivariano", e prepará-lo para enfrentar qualquer agressão dos EUA a um dos países membros.
A sugestão foi feita aos países da "Alternativa Bolivariana" para a América Latina: Nicarágua, Cuba, República Dominicana e Bolívia.
Essa figura simpaticamente caricatural pode tornar-se um pesadelo para o continente suscitando suspeitas e provocações. Neste momento ele acusa a Colômbia de violação de território do Equador, para destruir ali um grupo de terroristas colombianos. A primeira violação do território equatoriano já fora perpetrada pelos terroristas em questão; e o governo do Equador faltou ao seu dever que lhe impunha desarmar e internar os invasores. Pode-se mesmo argumentar que o governo colombiano, ao atacar os guerrilheiros das Farc, substituiu-se ao governo do Equador que deveria havê-lo feito. Um jesuíta anglo-saxônico definiria essa ação do governo colombiano como uma vicarious action. Não haveria, pois, razão para intimar o governo da Colômbia a apresentar "desculpas mais detalhadas" ao Equador, como recomendou o nosso próprio governo, metendo a sua colher torta em caldeirão alheio.
M. PIO CORREA é embaixador aposentado.

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